A aprovação da reforma tributária sobre o consumo marca um ponto de inflexão na economia brasileira, sinalizando o fim de uma era onde a competitividade empresarial era frequentemente sinônimo de engenharia fiscal.
Ao substituir PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS por um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual — alinhando o Brasil a mais de 170 países —, a mudança não apenas moderniza o sistema, mas redefine a lógica fundamental dos negócios.
O foco estratégico migra de um labirinto de rotas fiscais para a otimização da cadeia de demanda, aproximando a produção do consumidor final.
O sistema anterior, frequentemente descrito como um "manicômio tributário", transformou os incentivos fiscais na principal ferramenta de atração de investimentos, gerando a chamada "guerra fiscal".
Essa disputa resultou em uma alocação ineficiente de recursos, com empresas estabelecendo operações em locais logisticamente desfavoráveis apenas para capturar benefícios.
Para muitas, esses incentivos fiscais para empresas se tornaram o próprio modelo de negócio. A nova estrutura, baseada no princípio do destino — onde o imposto é devido no local de consumo —, torna essa prática obsoleta.
Nova legislação tributária: o fim da lógica antiga e a transição para o fomento direto
Antes da Reforma Tributária, o Brasil operava sob uma vasta e complexa teia de incentivos. No entanto, é crucial entender que esses mecanismos não eram apenas distorções.
Em matéria para o Jota, o repórter Fábio Martins Bonilha Curi aponta que os incentivos também serviram como ferramentas para promover direitos sociais, como a educação, através do Prouni.
A resposta da reforma está na transição do fomento "fiscal" para o "direto". Em vez de renúncia de receita, muitas vezes de difícil mensuração. Essa abordagem traz mais transparência e controle orçamentário. Adicionalmente, a reforma introduz o Imposto Seletivo (IS), um instrumento de extrafiscalidade.
Competividade no cenário da Reforma Tributária
A competitividade deixará de ser medida pela habilidade de navegar em benefícios fiscais para empresas e passará a ser definida pela eficiência operacional, inovação e capacidade de resposta ao mercado.
Nesse novo cenário, um levantamento realizado pelo IOB a pedido do Jornal Folha de São Paulo, mostra que 40,8% dos entrevistados veem aspectos positivos pela simplificação dos impostos e o passo inicial para resolver distorções.
Considerando um cenário em que 6 e cada 10 dos escritórios contábeis do país tendo até 20 funcionários, apontando para um cenário de predominância de pequenas e médias empresas, que podem apresentar distintos graus de dificuldade em adaptações regulatórias.
A jornada de sete anos e o novo papel do contador na gestão tributária
A transição para o novo modelo será uma maratona, não uma corrida, estendendo-se de 2026 a 2033.
O ponto de partida, em 2026, será a implementação de alíquotas de teste de 0,9% para a CBS e 0,1% para o IBS, permitindo a calibração dos sistemas.
O marco seguinte será 2027, quando a CBS entrará em vigor com alíquota cheia, extinguindo PIS e Cofins.
A partir de 2029, a mudança mais complexa terá início: ICMS e ISS serão progressivamente substituídos pelo IBS, em um processo que durará até 2033. Durante este período, os incentivos fiscais atuais serão reduzidos em 10% ao ano, exigindo que as empresas se ajustem de forma proativa.
Esta jornada eleva o profissional contábil de uma função de conformidade para um papel de consultoria estratégica.
Um estudo de Weslley Inacio Nascimento e Hugo Azevedo Rangel de Morais, publicado no periódico Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação (R.E.A.S.E.), destaca que "a contabilidade desempenha um papel crucial na interpretação e adaptação das organizações diante das mudanças no cenário tributário".
Com a automação de tarefas rotineiras, o contador se torna um parceiro de negócios, e suas oportunidades práticas se multiplicam:
- Reestruturação do Planejamento Tributário: O trabalho consultivo ganhará enorme valor. Isso significa questionar se um centro de distribuição em um estado distante ainda faz sentido quando o benefício fiscal desaparecer, ou se a renegociação de contratos de longo prazo é necessária para refletir a nova carga tributária. A análise de cenários se torna uma ferramenta diária, não mais um exercício anual.
- Auditoria Estratégica de Fornecedores: A não cumulatividade plena significa que o crédito só existe se o imposto for pago na etapa anterior. Como ressalta Lucianna Costa, conselheira fiscal da Itaúsa, "fornecedores com boa reputação fiscal vão ganhar relevância competitiva". Neste contexto, o contador assume uma função de gestor de risco da cadeia de suprimentos, avaliando a saúde fiscal de parceiros para garantir a fluidez do capital de giro da empresa.
- Liderança em Tecnologia e Dados: A reforma acelera a transição para a Administração Tributária 3.0, um modelo baseado na integração total de dados e na fiscalização em tempo real. O contador precisará liderar a adaptação dos sistemas de ERP, garantindo que eles possam processar a apuração simultânea de tributos antigos e novos e gerar dados confiáveis para a tomada de decisão.
Uma Oportunidade Estratégica
A reforma tributária não é apenas uma mudança de regras; é a reinvenção do tabuleiro de negócios no Brasil, principalmente no que se diz respeito aos incentivos fiscais.
Ao extinguir a lógica dos benefícios fiscais fragmentados, ela força as empresas a focarem no que realmente gera valor: eficiência, inovação e proximidade com o cliente.
Para os profissionais contábeis, este momento representa uma oportunidade histórica de transcender o papel de guardião da conformidade para se tornar um arquiteto de estratégias.
O futuro da profissão não reside mais na apuração técnica, mas na capacidade de interpretar um ambiente complexo, guiar empresas na transição e ajudá-las a construir uma base competitiva sólida e sustentável.
A mudança exige investimento contínuo em conhecimento, tecnologia e, fundamentalmente, em uma nova mentalidade que posiciona a inteligência fiscal no coração do planejamento de negócios.