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O papel do jurídico na agenda de ESG

Alexandre Zavaglia Coelho

O avanço da globalização e da transformação digital têm trazido rápidas mudanças e desafios crescentes, e o papel das organizações nesse contexto têm nos levando a repensar os modelos tradicionais. O avanço econômico não é apenas uma visão de prosperidade financeira, mas também de outras dimensões, nas esferas jurídicas, econômicas e sociais. Atualmente, estas repercussões refletem uma tensão sem precedentes, amplificando os eventuais desequilíbrios entre valores corporativos e práticas cotidianas.

Neste panorama, a ideia de sustentabilidade emerge de forma cada vez mais ampla, associada ao tripé: meio ambiente, transformação econômica e impactos sociais, uma vez que a verdadeira realização não deve colocar em risco o nosso planeta ou nossos valores, mas harmonizar nossos objetivos empresariais com o bem-estar coletivo.

Desde o conceito inicial de “atender às necessidades da geração atual sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem suas próprias necessidades”, publicado no relatório Nosso Futuro Comum¹, essa pauta avançou, inclusive, para uma compreensão maior de que o compromisso com a sustentabilidade não é apenas uma tarefa do poder público, mas de toda a sociedade.

Inclusive, ressaltou o importante papel do setor privado nessa agenda, reafirmando esse compromisso com a continuidade do planeta, da humanidade e dos próprios negócios, não somente por conta de pressões sociais e regulatórias, mas como um elemento importante da responsabilidade corporativa, que também representa muitos ganhos e diferenciais competitivos.

Assim, no mundo dos negócios, começaram a crescer as discussões sobre outros fatores, além das questões meramente financeira, que também impactam na sustentabilidade (perenidade, continuidade) das empresas. Claro que as diferenças entre manter uma empresa e sustentar uma sociedade são evidentes. As motivações, metas e propósitos desses dois ambientes são fundamentalmente distintos. No entanto, o verdadeiro desafio contemporâneo não é apenas reconhecer essas diferenças, mas explorar como esses dois universos podem convergir de forma integrada.

As empresas, por sua natureza, buscam o lucro e a expansão. São guiadas por metas, indicadores de performance e visões de crescimento. A sociedade, por outro lado, é impulsionada por necessidades coletivas, aspirações culturais e valores compartilhados. Em primeira análise, pode parecer que operam em esferas separadas, mas a realidade é que elas estão profundamente entrelaçadas.

O grande desafio da atualidade é demonstrar que é totalmente possível – e de fato, essencial – que as empresas busquem seus objetivos financeiros enquanto desempenham um papel significativo para o desenvolvimento sustentável. O equilíbrio entre objetivos corporativos e responsabilidade social não deve ser apenas uma aspiração, mas uma necessidade.

Na era digital, onde as fronteiras entre o individual e o coletivo são cada vez mais tênues, as empresas têm a oportunidade única de moldar seu legado. Ao integrar práticas sustentáveis, priorizar o bem-estar da comunidade e reconhecer seu papel no ecossistema global, elas não apenas fortalecem sua marca, mas também contribuem para um futuro mais promissor e inclusivo.

A partir dessas novas demandas sociais, as corporações passaram a englobar, de forma crescente, ações de Environmental, Social & Corporate Governance (ESG) em suas práticas, ligadas às atividades que desempenham e seus aspectos não-financeiros.

Apesar do foco inicial nas questões ambientais, nos impactos climáticos, nos últimos anos as outras letras passaram a ter um destaque igualmente relevante. Pois muito da diversidade, por exemplo, está no “S”, e o “G” da governança demonstra que a organização dessa agenda, a definição da estratégia das organizações e como desdobrá-las por esse caminho, bem como a documentação de toda essa trajetória, se tornaram pontos relevantes para fazer tudo isso acontecer de fato.

Em um mundo cada vez mais consciente das questões ambientais, sociais e de governança (ESG), a necessidade de transparência nas atividades empresariais tornou-se primordial. Surgiram, então, modelos de relatórios como o Global Reporting Initiative (GRI)² e o International Integrated Reporting Committee (IIRC)³. Enquanto o GRI visa introduzir a mesma acuidade dos relatórios econômico-financeiros nos relatórios não financeiros, o IIRC se empenha em estabelecer padrões globais para a combinação de informações financeiras, econômicas, ambientais e sociais em um único relatório corporativo.

Estes instrumentos não só aumentam a visibilidade dos impactos da sustentabilidade, mas também educam e envolvem todos os stakeholders, desde funcionários a investidores. Ao tornar visíveis as implicações das ações de uma empresa, promovem mudanças ágeis nas operações diárias. Além disso, enfatizam a necessidade de se adquirir bens e serviços de fornecedores que compartilham desses valores e padrões, já que suas atividades também se refletem nos relatórios divulgados.

Como acompanhar os indicadores das atividades empresariais?

E são muitos os desafios para organizar essas informações, para controlar e acompanhar a realização do plano e dos indicadores previstos nesses relatórios. E a tecnologia tem sido fundamental para refletir essa lista de atividades, respostas e dados em um ambiente digitalizado, em um workflow automatizado, capaz de permitir a interação entre os times e a governança adequada dos projetos e a sua posterior auditoria. A plataforma HighQ⁴, da Thomson Reuters, como uma tecnologia voltada para o consultivo e estratégico, demonstra como é possível implementação desses projetos com todos os requisitos e elementos necessários para o accountability (prestação de contas) e a gestão dessa agenda.

Optar estrategicamente por práticas alinhadas ao ESG tem revelado às empresas um universo de benefícios tangíveis e intangíveis. Assim, o desempenho financeiro, que antes era o principal termômetro do sucesso corporativo, agora é uma das peças dessa engrenagem. A verdadeira medida do valor de uma empresa, hoje, também reside em sua capacidade de operar de forma sustentável e responsável.

Este é o novo paradigma da era moderna: a sustentabilidade corporativa não é apenas uma tendência, mas uma exigência para empresas que desejam prosperar e fazer a diferença no mundo atual. E comprovar o que se está fazendo será cada vez mais importante, em um mundo em que muitos falam ou prometem, mas poucos realizam de verdade.

Nesse contexto, passam a ter grande importância os demais setores das empresas na construção desse caminho, para identificar pontos de riscos e oportunidades, e para adequar essas práticas e valores institucionais nas diversas áreas e departamentos de cada organização.

Esse movimento impulsionou expressões como a do “capitalismo de stakeholders”, no sentido de que as empresas não vão mais prosperar se isso não for bom para todos os lados, “se não for impulsionado por relações entre a empresa e funcionários, clientes, fornecedores e comunidades, onde ambos os lados se beneficiam e sua empresa prospera”. Segundo esse conceito, “ao desenvolver fortes laços com seus stakeholders, as empresas reduzem o risco operacional e aumenta a qualidade de seus produtos e serviços”⁵.

Aí é que entra o Jurídico, como um dos elementos chave de apoio e integração entre os diversos stakeholders, o que tem acontecido em duas dimensões principais:

a) o apoio do jurídico para a definição e a consolidação das estratégias de ESG das organizações;

b) a organização do próprio departamento jurídico ou escritório de advocacia para aderir a essa agenda, definindo seus indicadores de sustentabilidade e publicizando suas métricas e conquistas nesse campo.

Nos últimos anos, temos visto o jurídico sair de uma posição de um ambiente de custos e problemas, para atuar de forma estratégica nos negócios, e essa é mais uma área que reforça esse posicionamento.

No (a) apoio jurídico para as estratégias de ESG nas organizações, o que podem ser realizado tanto pelo departamento jurídico interno, como com a consultoria de escritórios de advocacia⁶, a visão jurídica ajuda a definir e revisar as regras de governança nos diferentes setores, promover a normatização dessas estratégias (políticas, práticas, etc), realizar o diagnóstico e o compliance dessa agenda, a gestão de terceiros, entre outras possibilidades, além de apoiar as atividades das áreas em diversos projetos relacionados a(o):

  • Meio ambiente;
  • Compensação de carbono;
  • Direitos humanos;
  • Finanças sustentáveis;
  • Proteção de dados;
  • Uso responsável de inteligência artificial;
  • Programas de diversidade;

Inclusive, essas atividades do jurídico também tem contato com o apoio de outras tecnologias para entender melhor os dados e transformá-los em informações relevantes para apoiar a tomada de decisão e direcionar ações mais assertivas e com melhores resultados. Na área trabalhista, por exemplo, temos visto como a análise e cruzamento de dados de processos judiciais ajudam a identificar de forma mais precisa os problemas (causa raíz) das empresas refletidos no Judiciário, e como isso tem auxiliado a trabalhar a prevenção, os ajustes na operação e nos procedimentos internos, que se refletem num melhor ambiente de trabalho, e na proximidade e maior respeito às necessidades dos funcionários identificadas pelo contencioso, de forma integrada com a área de RH.

De outro lado, (b) alguns escritórios de advocacia já têm criado sua própria agenda de ESG, publicando seus relatórios de sustentabilidade.

Um dos grandes exemplos globais é o escritório Abreu Advogados, de Portugal, que não só tem publicado seu relatório de sustentabilidade, como também criou um protocolo de colaboração entre o Instituto do conhecimento Abreu e a Nova School of Law, para criar a “Abreu Chair in ESG impact”, que foi um dos destaques para o escritório ganhar o prêmio “Innovation in Skills Development” do Financial Times Innovative Lawyers Awards Europe 2023.⁷

No Brasil, o escritório Lee, Brock, Camargo Advogados já está no segundo ano de publicação de seu relatório de sustentabilidade, demonstrando seus pilares organizados, com resultados que demonstram seus indicadores de diversidade que, por exemplo, demonstram que já são “66% de mulheres no escritório, sendo 41% em cargos de liderança, 30% de pessoas pardas e pretas, e 13% de LGBTQIA+”, além de seus projetos de apoio à sociedade e de voluntariado. No plano da governança, publicam suas normas e políticas internas, regras de segurança da informação e uso de dados, canais de compliance com independência e confidencialidade, códigos de ética e conduta, entre outras frentes. E, no plano ambiental, documentaram seus projetos de embalagens zero, reduzir os insumos e gerar menos resíduos, combater o desperdício, adotar postura neutra de carbono, entre outras questões que podem ser vistas no seu último relatório de 2022.⁸

Neste cenário de sustentabilidade, os escritórios de advocacia e departamentos jurídicos podem desempenhar um papel muito relevante, com muitas oportunidades para guiar e apoiar as empresas na implementação e consolidação de suas estratégias de ESG. Além disso, os escritórios de advocacia, ao reconhecerem o impacto e a influência que têm nesse processo, devem também abraçar a responsabilidade de produzir seus próprios relatórios de sustentabilidade. Ao fazerem isso, não só demonstram seu compromisso com a prática sustentável, mas também estabelecem um exemplo para seus clientes e para a indústria como um todo.

Assim, ao se posicionar na vanguarda das práticas de ESG, os escritórios de advocacia e departamentos jurídicos não só solidificam sua reputação como líderes éticos e responsáveis, mas também fortalecem sua relevância em um mundo empresarial que cada vez mais valoriza a sustentabilidade integrada aos negócios. A advocacia moderna não será apenas sobre como prestar serviços jurídicos com qualidade e alto nível técnico, mas também sobre liderar pelo exemplo e traçar o caminho para um futuro corporativo mais responsável e sustentável.

Alexandre Zavaglia Coelho é consultor de tendências da Thomson Reuters, e um dos pioneiros no uso de inteligência artificial na área do Direito e de projetos de AI ethics by design.

Referências:

¹ Publicado em 1987 pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU, também conhecido como Relatório Brundtland.

² Criado pela Coalition for Environmentally Responsible Economics (CERES) e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) em 1997.

³ https://www.unepfi.org/fileadmin/investment/IIRC_QA.pdf

⁴ https://marketplace.thomsonreuters.com/details/esg-management-platform

⁵ O que é ESG, a sigla que virou sinônimo de sustentabilidade. https://exame.com/esg/o-que-e-esg-a-sigla-que-virou-sinonimo-de-sustentabilidade/

⁶ Alguns escritórios tem criado serviços específicos para apoiar as empresas nessa agenda, como o Mattos Filho (https://www.mattosfilho.com.br/EscritorioMidia/ESG_frentes_atuacao_MattosFilho.pdf),  o Pinheiro Neto (https://www.pinheironeto.com.br/areas-de-atuacao/esg), o Tench, Rossi, Watanabe (https://www.trenchrossi.com/area-de-atuacao/esg/) e o TozziniFreire (https://tozzinifreire.com.br/atuacao/esg-environmental-social-and-governance) (https://www.mattosfilho.com.br/EscritorioMidia/ESG_frentes_atuacao_MattosFilho.pdf).

⁷  https://abreuadvogados.com/en/news/abreu/abreu-advogados-wins-the-innovation-in-skills-development-award-at-the-ft-innovative-lawyers-awards-europe-2023-and-is-recognised-as-one-of-the-most-innovative-firms-in-europe/

⁸ https://lbca.com.br/relatorio-esg-2022/

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