Programa Mobilidade Verde e Inovação - Programa MOVER Principais pontos da Medida Provisória 1.205/2023
A Medida Provisória 1.205 publicada no DOU de 30/12/2023 cria o Programa Mobilidade Verde e Inovação — Programa MOVER que irá substituir o Rota 2030, que até então tinha como diretriz estimular o setor automotivo nacional, por meio de redução de impostos e benefícios para os projetos de Pesquisa e Desenvolvimento da indústria automotiva. Porém, o Programa MOVER vai além dos requisitos propostos pelo Rota 2030 como a descarbonização e o alinhamento a uma economia de baixo carbono no ecossistema produtivo e inovativo de automóveis, de caminhões e de seus implementos rodoviários, de ônibus, de chassis com motor, de máquinas autopropulsadas e de autopeças.
Para isso, o Poder Executivo Federal irá estabelecer os requisitos obrigatórios em relação à eficiência energética veicular no ciclo do tanque à roda e emissão de dióxido de carbono (eficiência energético-ambiental) no ciclo do poço à roda; reciclabilidade veicular; rotulagem veicular integrada; e desempenho estrutural e tecnologias assistivas à direção, para a comercialização de veículos novos produzidos no País ou para sua importação. Ainda, a partir de 2027, serão estabelecidos requisitos obrigatórios relacionados à pegada de carbono do produto, no ciclo do berço ao túmulo.
É importante entender alguns conceitos trazidos pelo programa (MP 1205, art. 2º, parágrafo 5º):
I. ciclo do tanque à roda — conceito de análise de ciclo de vida que considera as emissões de Gases de Efeito Estufa — GEE associadas à operação de veículos leves e pesados em um ciclo de uso padronizado;
II. ciclo do poço à roda — conceito de ciclo de vida que considera as emissões de GEE que se originam desde a fase de extração de recursos naturais, passando pela produção e pela distribuição da fonte energética, até seu uso em veículos leves e pesados de passageiros e comerciais;
III. ciclo do berço ao túmulo — conceito de ciclo de vida que considera as emissões de GEE incorporadas no ciclo do poço à roda, acrescidas aquelas geradas desde a extração de recursos e na fabricação de autopeças, na montagem e no descarte dos veículos leves e pesados de passageiros e comerciais;
IV. intensidade — de carbono da fonte de energia — ICE — relação entre a emissão de GEE, com base em avaliação do ciclo de vida, computada no processo produtivo do combustível ou da fonte energética e em seu uso, expresso em gramas de dióxido de carbono equivalente por megajoule (gCO2eq./MJ); e
V. reciclabilidade — percentual em massa de um veículo novo potencialmente passível de ser reutilizada, reciclada ou recuperada energeticamente, combinado com compensação antecipada dos materiais pela reciclagem dos veículos.
Em relação às autopeças sem produção no Mercosul, o governo irá estabelecer os termos, os limites e as condições para a habilitação ao regime de autopeças não produzidas, de que trata o art. 6º do Acordo sobre a Política Automotiva Comum entre a República Argentina e a República Federativa do Brasil, anexo ao Trigésimo Oitavo Protocolo Adicional ao Acordo de Complementação Econômica n.º 14, e também aprovará uma lista com as autopeças por classificação fiscal na Nomenclatura Comum do Mercosul — NCM. As empresas já habilitadas no Programa Rota 2030 terão até 30/04/2024 (120 (cento vinte) dias da publicação da MP 1.205/2024) para requerer habilitação com os novos moldes.
As empresas importadoras não são obrigadas a se habilitar no regime, porém a não adesão obriga ao recolhimento integral do Imposto de Importação do bem. Já as empresas habilitadas no regime, deverão reverter 2% (dois por cento) do valor aduaneiro, no desenvolvimento industrial e tecnológico do setor automotivo, por meio de projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social — BNDES será responsável pela captação desses recursos (2% do valor aduaneiro) e dos dispêndios em pesquisa e desenvolvimento tecnológico, oriundos do regime de incentivos à realização de atividades de pesquisa e desenvolvimento e de produção tecnológica do MOVER, e por meio da criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Industrial e Tecnológico — FNDIT, utilizá-los no apoio financeiro aos programas e aos projetos prioritários de desenvolvimento industrial, científico e tecnológico do setor automotivo.
Segundo o governo, o FNDIT é uma das principais novidades da Medida Provisória, por ser o primeiro fundo diretamente voltado para a inovação e modernização industrial, aproximando ainda mais o BNDES e fortalecendo a neo industrialização que já está em curso no Brasil.
Numa breve comparação entre os programas anteriores, o Rota 2030 focava em melhorar a eficiência energética e a segurança dos veículos, enquanto o MOVER adiciona mais um critério para concessão dos descontos do IPI: a reciclabilidade do automóvel (excluído do Rota 2030). O Programa MOVER volta a considerar o nível de nacionalização do veículo para concessão de benefícios fiscais, algo que fora utilizado no Inovar-Auto, regime automotivo que terminou em 2017. Além disso, o Programa MOVER incentiva a importação de linhas de produção usadas no Brasil, o que não ocorria no Rota 2030.
Outra diferença relevante em relação ao Rota 2030 está nos parâmetros, onde anteriormente as empresas precisavam dedicar, no mínimo, 0,3% de sua receita operacional bruta à P&D a cada ano. Desta forma, podendo abater o valor percentual no IRPJ (Imposto de Renda de Pessoa Jurídica) ou na CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido). Já no Programa MOVER, o incentivo aumenta. O dispêndio mínimo fica entre 0,3% e 0,6% da receita, sendo que cada real investido dará direito a créditos tributários proporcionais. De acordo com Medida Provisória, esses créditos poderão ser usados para abatimento de quaisquer tributos administrados pela Receita Federal do Brasil.
Perspectivas com o Programa MOVER
Resumidamente, o Programa MOVER representa o segundo ciclo do Rota 2030, cuja primeira fase durou de 2018 a 2023.
Os empresários e entidades do setor, como Fabricantes de Veículos Automotores — Anfavea e Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores — Fenabrave tem uma visão positiva com o Programa MOVER, tanto no sentido de estímulo à indústria, como no impacto ambiental e consequentemente vantagens ao consumidor final.
Entre as vantagens ambientais está o incentivo ao desenvolvimento dos motores híbridos flex e dos propulsores híbridos a etanol, com o benefício fiscal de 3 pontos percentuais no Imposto sobre Produtos Industrializados — IPI. Segundo empresários da área “o biocombustível é a bola da vez, considerando um momento de transição para o elétrico. Então, agora se valoriza o biocombustível para que no futuro se chegue ao elétrico.”
A reciclabilidade é algo muito esperado, pensando no nível de modernidade e inteligência envolvida, onde a ideia é que, desde a fabricação até o momento do descarte do veículo sejam seguidos requisitos específicos, para quando chegar a fase de descarte, parte deste seja destinado à fabricação de novos veículos. Isso será muito positivo para o meio ambiente e para sociedade, uma vez que atualmente existem 64 milhões de veículos emplacados no Brasil e destes, 11 milhões já não circulam mais e, possivelmente, estão em deterioração, gerando um impacto ambiental negativo.
O índice de reciclabilidade será muito importante para que as empresas se tornem mais sustentáveis, incentivem a neo industrialização, privilegiando as novidades tecnológicas de descarbonização e também estimulem os investimentos em P&D.
Para tanto, o Programa MOVER visa reduzir a cobrança de impostos para as fabricantes que produzirem carros menos poluentes, prevendo medidas para medição das emissões de carbono no método “do poço à roda”, significando que, os índices serão aferidos com base em todo o ciclo da fonte de energia utilizada, desde sua produção até o uso na propulsão do veículo.
Ainda, para o etanol o cálculo começa na plantação da cana e vai até a queima do combustível, sendo esse processo válido também para as demais fontes propulsoras, independentemente do tipo de combustível — inclusive nos veículos movidos por bateria elétrica. A partir de 2028, o MOVER realizará medição ainda mais abrangente, conhecida como “do berço ao túmulo”, onde o cálculo envolverá a pegada de carbono gerada, não apenas na produção da fonte de energia e na propulsão, mas também na produção e no descarte ou reciclagem do carro.
O Programa MOVER visa incentivar os fabricantes que produzirem carros menos poluentes e penalizar com encargos mais elevados quem não atingir as metas de descarbonização. O governo prevê incentivos de até R$ 19 bilhões, até 2027, para as montadoras que reduzirem o nível de CO₂ dos carros vendidos no Brasil.
Por fim, os empresários do setor estão eufóricos com novidade sobre o teto para o incentivo global anual para as empresas habilitadas no programa, que vai de R$ 3,5 bi em 2024, evoluindo até R$ 4,1 bi em 2028. Espera-se que no novo regime automotivo os investimentos relacionados no que tange a definições do programa fiquem entre R$ 300 milhões e R$ 500 milhões/ano.
Pontos Preocupantes com o Programa MOVER
Há uma preocupação por parte de alguns especialistas tributários com a chegada do Programa MOVER, relacionado ao aumento do Imposto de Importação para veículos elétricos, divulgado pelo governo, mesmo antes do novo programa, com o objetivo de arrecadar recursos que serão necessários para assegurar os incentivos aguardados pelo programa.
Na prática a visão é que os incentivos para a produção nacional com o Programa MOVER vão acontecer em médio e longo prazo, no entanto, o impacto com o aumento do Imposto de Importação para veículos elétricos é imediato sobre as importadoras, que hoje cumprem um papel importante ofertando no País as mais avançadas tecnologias em mobilidade elétrica. Porém, há outros empresários que vêm a retomada gradativa do imposto de importação de veículos elétricos e híbridos, como positiva, olhando pelo prisma de uma concorrência mais justa, fomentando assim a produção desses modelos no país.
Outra preocupação vista por especialistas é de que os incentivos sejam grandes demais para o potencial de benefício social que podem gerar. Ou seja, com tanto avanço tecnológico, há uma tendência de que os carros vendidos no Brasil fiquem mais caros, e com isso uma queda no volume de vendas. Caso isso se concretize, mesmo com todo estímulo governamental, o ganho para a sociedade será restrito, já que as empresas seguiriam com operações mais lentas.
Considerações Finais
Como pôde ser visto, são muitas as expectativas com o Programa MOVER, mas também há preocupações. Assim, é preciso aguardar sua regulamentação, bem como a publicação da Lista com as autopeças não produzidas no Mercosul, ao longo dos próximos meses, até lá devem acontecer muitas discussões em torno do tema, uma vez que ainda não está claro se haverá ônus para a indústria nacional, diante dos investimentos que serão necessários, no entanto o objetivo é de que as regras sejam justas e eficazes tanto para as empresas como para a sociedade.
É inegável que esse Programa que será um marco para a indústria, com reflexos para além dos cinco anos, com uma lógica de sustentabilidade em todo o seu viés e a valorização dos biocombustíveis.