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Acordo Mercosul-União Europeia

O que muda com a conclusão do tratado e quais os impatcos para o Brasil. 

Após mais de duas décadas de negociações, o Acordo de Associação entre o Mercosul e a União Europeia foi oficialmente concluído em dezembro de 2024. O tratado representa um marco nas relações entre os dois blocos, com potencial para reconfigurar fluxos comerciais, estimular investimentos e ampliar parcerias 

Neste conteúdo, você entende o que está em jogo nesse tratado histórico: sua evolução, compromissos, impactos e desafios para o Brasil no novo cenário global.

A trajetória do Acordo Mercosul-União Europeia no Brasil 

Essa conversa remonta ao fim da década de 1990. Segundo o jornalista Daniel Rittner, do Valor Econômico, as primeiras tratativas ocorreram ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, com o acordo começando a ser desenhado formalmente em 1999, após um período de aproximação entre os blocos. 

Nos anos seguintes, entre 2001 e 2004, as negociações evoluíram paralelamente ao debate sobre a ALCA (Área de Livre Comércio das Américas). Com a interrupção desta, o diálogo com a União Europeia também perdeu fôlego.

Na época, os principais impasses envolviam os subsídios agrícolas concedidos pela Europa, considerados aos produtores brasileiros, além das barreiras tarifárias e não tarifárias dos países do Mercosul, principalmente à proteção da indústria regional. 

Retomadas e avanços: como o acordo voltou à pauta e chegou à sua conclusão

As conversas foram retomadas em 2010, com avanços pontuais nos textos, mas sem consensos decisivos. 

Brasil e Argentina, em especial, mantiveram posições protecionistas, com foco na defesa de suas cadeias produtivas e no estímulo ao desenvolvimento local. A preocupação era evitar uma concorrência considerada desleal, perante a superioridade europeia em aspectos como infraestrutura, financiamento e tecnologia. Essas divergências seguiram como pontos de atrito com os interesses do bloco europeu. 

Durante o governo Temer, as negociações ganharam novo fôlego e passaram a incorporar uma gama mais ampla de temas. 

Esse movimento se manteve nas gestões de Jair Bolsonaro e do atual governo brasileiro de Luiz Inácio Lula da Silva, culminando, em dezembro de 2024, na conclusão do acordo. A assinatura foi viabilizada a partir da negociação de uma Carta de Compromissos Adicionais, elaborada para contemplar questões ambientais e trabalhistas levantadas principalmente pela União Europeia, temas que serão detalhados mais adiante. 

O que diz o acordo: pontos centrais do texto final

Por fim, depois de quase três décadas de negociação, foi anunciada em 6 de dezembro de 2024 a conclusão do Acordo Mercosul-União Europeia. O marco foi divulgado durante a 65ª Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul, realizada em Montevidéu, no Uruguai.  

Esse acordo foi desenhado para fortalecer a parceria entre os dois blocos em diversos aspectos, incluindo temas políticos, comerciais, sanitários, fitossanitários, de propriedade intelectual e compras governamentais.  

Um dos pontos centrais do documento é a redução das tarifas de importação, que poderá ser imediata ou gradual, com prazos de até 15 anos conforme o setor. A medida deve abranger 91% dos produtos que o Brasil importa da União Europeia e, em contrapartida, 95% dos bens exportados pelo Brasil ao bloco europeu. 

As negociações foram formalizadas em um extenso documento com mais de 20 capítulos, incluindo anexos e textos complementares. O volume de informações reflete o esforço técnico e político dedicado à criação de um acordo moderno e equilibrado e com foco na proteção dos interesses de ambas as partes.  

Além do comércio: compromissos sociais e ambientais do acordo 

Como mencionado antes, entre os compromissos reforçados estão a preservação ambiental, a valorização do trabalho decente e o estímulo ao comércio de produtos sustentáveis. E o texto também abre oportunidades específicas para pequenos produtores, cooperativas, povos indígenas e comunidades locais.  

Além disso, Mercosul e União Europeia reforçam valores comuns, como democracia, direitos humanos, paz e sustentabilidade. O documento prevê a criação de espaços permanentes de diálogo, que deverão facilitar uma cooperação mais próxima entre as regiões nessas regiões e em outras agendas estratégicas. 

O texto do acordo permite que os desafios do desenvolvimento sustentável excluam a responsabilidade compartilhada, mas proporcionalmente à realidade de cada país. Nesse sentido, a proposta valoriza as credenciais ambientais do Brasil, promovendo a integração de cadeias produtivas e a descarbonização econômica. Também estão previstas iniciativas para transferências ou comércio de produtos sustentáveis. Como parte desse esforço, a União Europeia compromete-se a oferecer um pacote prévio de cooperação para viabilizar a implementação do acordo. 

O Brasil defende a inclusão de cláusulas externas de transparência e de participação social. Por isso, o acordo prevê mecanismos para que entidades da sociedade civil, sindicatos, ONGs, o setor privado e outros representantes sociais possam acompanhar seus impactos e contribuir com revisões periódicas. 

Próximos passos: trâmites e formalizações até a entrada em vigor

Embora o anúncio da conclusão do Acordo Mercosul-União Europeia represente um marco, ainda não há uma data definida para sua assinatura. Segundo informações do governo brasileiro, o processo envolve diversas etapas legais e administrativas que devem ser respeitadas até que o acordo entre em vigor.  

Entre os próximos passos, o primeiro é a revisão legal, cujo objetivo é garantir a consistência dos textos. Essa etapa já está em andamento e, conforme divulgado, avançando de forma satisfatória. Em seguida, será realizada a tradução do acordo, originalmente redigido em inglês, para as 23 línguas oficiais da União Europeia e para os dois idiomas oficiais do Mercosul, incluindo o português.  

Depois disso, as partes envolvidas deverão revisar o documento, manifestando formalmente sua acessibilidade. Essa assinatura depende da conclusão das etapas anteriores e precede a internalização do tratado, que corresponde à sua aprovação pelos processos legislativos internos de cada país.  

No caso brasileiro, isso envolve uma análise e a aprovação pelos Poderes Executivo e Legislativo, com tramitação no Congresso Nacional. Quando todos os trâmites forem finalizados, as partes comunicarão a conclusão dos processos internos e procederão à ratificação, oficializando o compromisso com os termos definidos. 

Desafios pendentes

Mesmo com os trâmites em andamento, o cenário político segue sendo um fator decisivo para a efetivação do acordo em sua totalidade.

A entrada em vigor do acordo ocorrerá no primeiro dia do mês seguinte à notificação da ratificação. No entanto, essa vigilância poderá ser bilateral: se a União Europeia e um país do Mercosul, como o Brasil, finalizarem seus trâmites, o acordo poderá entrar em vigor entre essas partes específicas, mesmo sem a adesão completa dos demais membros.  

Porém, é necessário obter a avaliação de duas instituições da União Europeia: o Conselho de Ministros e o Parlamento Europeu, ambos com sede em Bruxelas, na Bélgica.  

Além disso, a França tem se posicionado à aprovação do acordo. O principal argumento é a preocupação com o impacto sobre o setor agropecuário francês, que poderia enfrentar maior concorrência diante da força do Mercosul na exportação de commodities. O governo francês tem buscado apoio de outras nações europeias que também manifestam reservas quanto ao tratado, como Polônia, Itália, Países Baixos e Áustria. 

Impactos econômicos do acordo Mercosul-União Europeia

A implementação do Acordo Mercosul-União Europeia pode gerar efeitos significativos para a economia brasileira nas próximas décadas. Segundo o governo brasileiro, trata-se do maior tratado comercial já firmado pelos países do bloco sul-americano. 

Panorama comercial entre Brasil e União Europeia 

Mercosul e União Europeia reúnem, juntos, cerca de 718 milhões de pessoas e um PIB combinado de aproximadamente 22 trilhões de dólares.

A União Europeia é formada por 27 países, com uma população estimada em 449 milhões de habitantes. Em 2023, seu PIB era de 18,3 trilhões de dólares. Suas exportações de bens somaram 2,56 trilhões de dólares, e as atuais, 2,52 trilhões.

O Brasil, por sua vez, tinha em 2023 uma população de aproximadamente 212,6 milhões e PIB de 2.179 trilhões de dólares. As exportações de bens foram de cerca de 355 bilhões de dólares, e atualmente, 240,8 bilhões de dólares.

O fluxo bilateral de comércio entre Brasil e União chegou a 92 bilhões de dólares em 2023. Desse total, 46,3 bilhões de exportações brasileiras para o bloco europeu e 45,4 bilhões às.

Projeções de impacto para a economia brasileira

Estudos recentes apontam que o Acordo Mercosul-União Europeia poderá gerar efeitos estruturais relevantes para a economia brasileira nas próximas décadas.

Uma simulação do modelo GTAP-RD, utilizado pelo governo brasileiro, estima que até 2044 o Produto Interno Bruto (PIB) do país cresça 0,34%, o que representa cerca de R$ 37 bilhões. Também são esperados um aumento de 0,76% nos investimentos (R$ 13,6 bilhões), uma redução de 0,56% nos preços ao consumidor e um aumento de 0,42% nos reais.

Já uma projeção do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgada em fevereiro de 2024, aponta crescimento de 0,46% no PIB brasileiro até 2040, equivalente a US$ 9,3 bilhões (R$ 55,7 bilhões). O levantamento também estima que as exportações brasileiras para a União Europeia acumulem ganhos de até US$ 11,6 bilhões (R$ 69,4 bilhões), enquanto as importações cresceram principalmente até 2034, somando US$ 12,8 bilhões (R$ 76,6 bilhões), com leve desaceleração para US$ 11,3 bilhões (R$ 67,6 bilhões) até 2040.

Setores beneficiados e oportunidades estruturais

Estimativas do governo apontam crescimento das exportações brasileiras de 6,7% na agricultura, 14,8% nos serviços e 26,6% na indústria de transformação. A meta é promover maior integração do Brasil às cadeias produtivas europeias, com ganhos de competitividade, modernização industrial e efeitos positivos para o consumidor final.

No agronegócio, os ganhos podem chegar a US$ 11 bilhões até 2040. Já a indústria de transformação deve crescer de forma mais modesta, com incremento estimado de US$ 500 milhões no período.

Entre os principais produtos exportados pelo Brasil estão:  

  • Alimentos para animais: 11,6%  
  • Minérios metálicos e sucata: 9,8%  
  • Café, chá, cacau e especiarias: 7,8%  
  • Sementes e frutos oleaginosos: 6,4%  
  • Ferro e aço: 4,6%  
  • Vegetais e frutas: 4,5%  
  • Celulose e resíduos de papel: 3,4%  
  • Carne e porcelana de carne: 2,5%  
  • Tabaco e suas produções: 2,2%  

E entre os produtos mais importados da União Europeia em 2023, destacam-se:  

  • Produtos farmacêuticos e medicinais: 14,7%  
  • Máquinas em geral e equipamentos industriais: 9,9%  
  • Veículos rodoviários: 8,2%  
  • Petróleo e resultados: 6,8%  
  • Equipamentos de geração de energia: 6,1%  
  • Produtos químicos orgânicos: 5,5%  
  • Máquinas especializadas para setores industriais: 5,3%  
  • Máquinas e aparelhos elétricos: 4,7%  
  • Materiais e produtos químicos: 3,6%  
  • Ferro e aço: 3,4%  

Esses números evidenciam a complementaridade entre as pautas comerciais dos dois blocos. O Brasil se destaca no fornecimento de commodities, alimentos e materiais primários, enquanto a União Europeia lidera os envios de produtos industriais, tecnológicos e farmacêuticos. 

Efeitos no consumo e desafios internos 

A expectativa é de que o consumidor brasileiro sinta efeitos positivos no prazo médio, com acesso facilitado a produtos como azeites, queijos, vinhos e frutas de clima temperado (peras, maçãs, pêssegos, frutas secas, cerejas e kiwis), além de bebidas e laticínios, todos com preços mais competitivos. 

O setor automotivo brasileiro também poderá ser beneficiado, com aumento nas exportações de veículos, especialmente para a Alemanha, desde que haja aderência às estratégias das montadas instaladas no país.

Três fatores ajudam a explicar os resultados esperados: a redução tarifária, o crescimento das exportações e a queda nos custos de insumos e bens de capital.

No entanto, há desafios importantes, como o desequilíbrio estrutural entre a exportação de commodities e a importação de produtos fabricados, o que pode contribuir para a indústria nacional. Também será necessário que gargalos logísticos e invistam em digitalização e eficiência para garantir competitividade de forma sustentável.

Contexto externo: como as mudanças geopolíticas podem acelerar o acordo

A reeleição de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, em novembro de 2024, reacendeu os debates sobre o futuro do comércio internacional. Uma das possíveis consequências geopolíticas do novo mandato é a garantia do Acordo Comercial entre Mercosul e União Europeia. 

Diante da postura protecionista do governo norte-americano, os países europeus podem buscar novas estratégias de inserção global. A diversificação de parcerias comerciais ganha relevância, o que tende a favorecer a tramitação do acordo junto às instituições da União Europeia. Apesar disso, o tratado, que visa criar uma maior área de livre comércio do mundo, ainda enfrenta obstáculos, especialmente no campo agrícola e nas resistências políticas internas de alguns países do bloco europeu. 

Aproveitando o momento, o Brasil intensificou as articulações para viabilizar o acordo. Na última semana de abril, a ApexBrasil e o Ministério das Relações Exteriores realizaram uma missão diplomática à Europa. As conversas abordaram temas como Promoção Comercial, Investimentos, Ciência, Tecnologia, Inovação e Adidos Agrícolas, com o objetivo de destravar a validação formal do tratado. 

Reações Europeias: pressões externas impulsionam reavaliação política

Na Europa, o cenário começa a se transformar. Embora França e Irlanda ainda mantenham reservas, há sinais de reavaliação por parte de lideranças políticas. Parte da elite francesa, por exemplo, começa a revisar sua postura diante da possibilidade de perder influência nos Estados Unidos, uma consequência das novas diretrizes impostas por Trump. 

Mesmo entre as críticas tradicionais do acordo, cresce o entendimento de que se o princípio já não parece sustentável. As divergências históricas, especialmente no setor agrícola, podem perder peso em um contexto de tarifas elevadas e instabilidade comercial global. 

A tendência é que o foco se volte para o fortalecimento de alianças entre países com valores partilhados, nos quais a economia atua como instrumento estratégico de política externa. 

Um novo ciclo exige visão, preparo e tecnologia

A conclusão do Acordo Mercosul-União Europeia inaugura um novo capítulo no posicionamento internacional do Brasil e de seus parceiros regionais. 

Mais do que reduzir tarifas, o tratado representa uma mudança estrutural nas regras do jogo, com efeitos de longo prazo sobre a competitividade, os investimentos e as cadeias produtivas.

Para as empresas que atuam com comércio exterior, esse novo cenário exige planejamento atento, leitura constante do contexto global e capacidade de adaptação.

Entender o que muda é o primeiro passo. Estar preparado para operar inteligência, segurança e conformidade é o que permitirá transformar desafios em oportunidades reais de crescimento.